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Sobre a Brevidade da Vida


Postado em 07.03.2022 00:00


Capa


Autor(es): Sêneca

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 80

Idioma: português

ISBN-13: 9788582850503

ISBN-10: 8582850506


Dois textos do filósofo Sêneca em formato epistolar. Ambos apresentam conceitos "óbvios", mas que acabamos esquecendo.


O 1º afirma que a vida não é tão breve quanto frequentemente se afirma que ela é. Nós a percebemos como breve porque desperdiçamos muito tempo:


> É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes, mas pródigos. Tal como amplos e magníficos recursos, quando vêm para um mau detentor, são dissipados num instante, ao passo que, por mais modestos que sejam, se entregues a um bom guardião, crescem pelo uso que se faz deles, assim também a nossa existência é bastante extensa para quem dela bem dispõe.


Também estimula a contemplação e autoaperfeiçoamento. Dedicar-se mais a si mesmo ao invés de aos outros. O tempo que damos aos outros com muita liberalidade é um assunto importante em vários trechos.


> Ousa queixar-se da soberba do outro alguém que para si mesmo nunca tem tempo? Aquele, porém, mesmo com expressão insolente, olhou para ti, quem quer que sejas, ouviu tuas palavras, admitiu-te a seu lado: tu jamais te dignaste a te observar e a te ouvir. Assim, não há razão para que censures em alguém essas obrigações, posto que, na verdade, sempre que tu a cumprias, não é que desejavas estar com a outra pessoa, mas não podias estar contigo mesmo.


> Não se encontra ninguém que queria repartir seu dinheiro; já sua vida, quanto cada um a distribui entre muitos! São mesquinhos na retenção do patrimônio; mas, tão logo se trate de gastar tempo, são extremamente pródigos com a única coisa em relação à qual a avareza é honrosa.


> Acredita-me, é próprio de um grande homem, daquele que está acima dos erros humanos, não permitir que tomem nada de seu tempo, e é por isso que a vida dele é muito longa: porque todo o tempo que lhe esteve disponível foi inteiramente reservado para si. Dele nada ficou sem uso e ocioso, nada esteve na dependência de outra pessoa, pois ele não encontrou nada que fosse digno de permutar por seu tempo, sendo dele um guardião bastante parcimonioso. Assim, o tempo foi para ele suficiente, mas é forçoso que tenha faltado para aqueles de cuja vida muito foi levado por um multidão.


Alerta o leitor da armadilha de usar a maior parte da vida no trabalho e outras atividades de rotina e deixar de viver:


> Não te envergonha reservar para ti essas sobras de vida e destinar ao aprimoramento da alma apenas esse tempo que não poderias empregar em mais nada? Quanto é tardio começar a viver só quando é hora de terminar!


Até dá alguns exemplos:


> O divino Augusto, que os deuses elevaram mais do que a nenhum outro, não deixou de solicitar repouso para si e de pedir afastamento da administração pública. Toda conversa sua sempre esteve voltada para este ponto: que ele esperava retirar-se. Porém, ele se distraía de suas fadigas com este doce consolo, mesmo que falso: o de que um dia haveria de viver para si. Em carta ao Senado [...] encontrei as seguintes palavras: "Mas isso pode ser mais ilusoriamente prometido do que realizado. No entanto, posto que a alegria real ainda demora, o desejo de um momento por mim tão almejado levou-me a experimentar de antemão algo desse prazer pelo deleite de expressá-lo em palavras". O ócio pareceu-lhe um bem tão grande que ele o tomou antecipadamente em pensamento, posto que pelo usufruto não podia.


O habitual "cair na rotina, manter-se nela mesmo que a odeie e só reclamar" também aparece:


> Seria supérfluo mencionar muitas pessoas que, apesar de para os outros parecerem felicíssimas, deram contra si testemunho exato ao odiar toda atividade que empreenderam em seus anos. Mas, com tais lamentos, não modificaram nem os outros, nem a si próprias, pois seus sentimentos retornam ao padrão habitual logo depois de descarregados pelas palavras.


Estar atarefado não quer dizer que você esteja fazendo coisas significativas:


> Enfim, é consenso que nenhuma atividade pode ser bem exercida por um homem ocupado, nem eloquência, nem estudos liberais, dado que seu espírito sobrecarregado não absorve nada de modo mais profundo, mas rejeita tudo como se lhe tivesse sido imposto. Nada é menos peculiar do homem ocupado do que viver. Não há coisa mais difícil de saber do que viver.


Usa uma analogia sensacional para dizer que ser velho não quer dizer que se viveu muito.


> Então, não há motivo para pensares que alguém viveu longamente só por causa dos cabelos brancos ou das rugas: ele não viveu longo tempo, mas existiu longo tempo. É como se pensasses que navegou muito quem um terrível tempestade surpreendera na saída do porto, impelindo-o para um lado e outro sob ventos furiosos de diversas direções, e fazendo-o deslocar-se em círculo pelos mesmos lugares. Ele não navegou muito, mas foi muito fustigado.


Um trecho que foi como um tapa de luva de pelica foi o que reproduzo abaixo. Eu estou sempre adiando coisas por excesso de zelo...


> Pode haver algo mais insensato do que o pensamento de algumas pessoas? Digo aquelas que se jactam de sua prudência. Estão empenhadamente ocupadas para que possam viver melhor; planificam sua vida com dispêndio de vida. Dispõem seus planos num longo prazo. Ora, mas a maior perda de vida é a protelação: esta nos arranca um dia após o outro, rouba-nos o presente enquanto promete o futuro. O maior obstáculo à vida é a expectativa, que fica na dependência do amanhã e perde o momento presente. Tu dispões o que está na mão da Fortuna, deixas de lado o que está nas tuas. Para onde olhas? Para onde te projetas? Tudo o que há de vir repousa na incerteza.


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Se o resumo do 1º texto é "a vida não é curta, você que a desperdiça", o resumo deste "Sobre a Firmeza do Sábio" seria "o que vem de baixo não me atinge":


> "E então? Não poderá haver alguém que tente fazer injúria ao sábio?" Tentará, mas esta não irá atingi-lo. Ele de fato se encontra afastado do contato com o que lhe é inferior por uma distância grande demais para que alguma força negativa possa fazer chegar sua influência até ele.


> A percepção que temos das crianças, o sábio a tem de todos os homens, que, mesmo depois da juventude e da velhice, permanecem na infância.


Sêneca afirma que é inútil desejar que o façam mal, você precisa aprender a lidar com isso.


> "Mas seria melhor que não houvesse ninguém que quisesse fazê-lo." Desejas coisa difícil para o gênero humano: a inofensividade. E o fato de não se fazer tem importância para os que têm intenção de fazer, não para aquele que não pode sofrer tal ação nem mesmo se lhe for feita.


A ideia de que o sábio só possui a própria virtude e de que as demais coisas são passageiras também é bem presente no texto. Dentro dessa ideia, um sábio não pode sofrer injúria.


> Assim, não perderá nada do que ele verá como perecível. Está realmente de posse só da virtude, da qual não pode nunca ser destituído, das demais coisas faz uso temporário. Ora, quem se abala pela perda de um bem alheio? E se a injúria nada pode lesar desses bens que são próprios do sábio, porque, estando salva a virtude, salvos estão seus bens, ao sábio não se pode fazer injúria.


Sêneca conta que o filósofo Estilbão - que teve seu patrimônio tomado como despojo de guerra - foi interrogado por Demétrio - o conquistador - se havia sofrido alguma perda. O filósofo responde: "Nenhuma, tudo o que é meu tenho comigo".


> Ele, no entanto, arrancou-lhe a vitória e atestou que estava não só invicto, como indene, pois tinha consigo os verdadeiros bens, sobre os quais não se pode lançar as mãos, e aqueles, dissipados e saqueados, que estavam sendo levados, não os julgava seus, mas exteriores e resultantes do desejo da fortuna. Por isso, não os apreciava como bens próprios. Realmente, é instável e incerta a posse de tudo quanto nos vem de fora.


Resiliência é outro valor que aparece como cultivado pelo sábio:


> O sábio, porém, não se sente menosprezado, por ninguém, conhece sua grandeza e afirma para si mesmo que ninguém tem poder sobre ele, e todos esses sentimentos que eu poderia chamar não de males, e sim de contrariedades da alma, ele não se empenha em vencer, pois nem sequer os sente.


O cuidado com os conflitos em que você entra é outra questão de "bom senso" abordada mas que merece sempre ser relembrada.


> É de ânimo mesquinho quem se compraz em ter respondido com franqueza ao porteiro e quebrado o seu bastão, ter ido ao seu senhor e tê-lo feito açoitar. Quem entra numa contenda converte-se em adversário e, mesmo que vença, fica igualado ao oponente.


Consciência tranquila é outra característica que ajuda o sábio a enfrentar adversidades.


> Essas coisas me acontecem merecida ou imerecidamente? Se merecidamente, não é contumélia, é uma sentença; se imerecidamente, aquele que pratica essa injustiça deveria enrubescer


O final do texto lembra que todos esses conselhos não podem ser confundidos com um conselho de não sentir, de supressão dos sentimentos:


> Mas também não é liberdade nada sentir, enganamo-nos: liberdade é situar o ânimo acima das injúrias e constituir-se como um ser cuja felicidade lhe venha unicamente de si; é separar de si os eventos exteriores para não ter de levar uma vida atormentada, a temer o riso de todos, a língua de todos.


> Os imperfeitos, que se pautam ainda pela opinião comum, devem imaginar o seguinte: que eles terão de viver em meio a injúrias e contumélias; tudo lhes chegará mais leve se já estiverem esperando.


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Encerro o comentário sobre esse livro destacando o quão boa é a seção de notas dessa edição da Penguin e Companhia das Letras. Várias observações sobre tradução e eventos históricos ajudam bastante na compreensão dos textos. É perfeitamente possível entender as ideias principais sem as notas, mas fica faltando um contexto bem interessante.


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